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Entrevista: José Sette promete dar nova rota para Organização Internacional do Café

por Agência Estado:

Recém-escolhido o novo diretor-executivo da Organização Internacional do Café (OIC), com sede em Londres, o brasileiro José Sette promete dar um novo rumo à entidade, criticada por alguns dos próprios países-membros por ter um papel secundário para o setor. A intenção é fazer uma gestão consultiva e sem do que chamou de “imposição de cima para baixo”. Em setembro, quando haverá a nova reunião do conselho da OIC, ele espera já ter o esboço de um plano estratégico de longo prazo para a instituição, no intuito de revigorá-la e torná-la mais útil a seus participantes.

Em sua primeira entrevista exclusiva após ser nomeado, Sette promete atuar para ajudar na diversificação de funding para a entidade. Concorrente em uma disputa inédita, que pela primeira vez teve um candidato de país consumidor (Suíça) para a vaga, o executivo disse que é hora de acabar com rótulos e essa divisão entre os membros. Como ele mesmo destacou durante sua apresentação para a vaga, a OIC reúne hoje quase todos os países produtores de café e mais de 80% dos países que são consumidores mundiais. Sette garantiu que atuará para levar países como a China e a Coreia do Sul para a Organização.

O brasileiro começará a trabalhar na capital britânica no início de maio e o tempo total da gestão é de cinco anos. Até que inicie em seu novo cargo, finalizará seu mandato na International Cotton Advisory Committee (Icac), associação com base em Washington (Estados Unidos), da área de algodão. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Broadcast – Como se dará sua transição da Icac para a OIC?

José Sette – Quando coloquei a candidatura pedi demissão na Icac, no dia 31 de janeiro, e muito gentilmente reduziram o prazo necessário para meu aviso prévio de seis para três meses. Fiz isso mesmo sem saber o resultado da OIC (que foi conhecido no último dia 17 de março). Tenho gratidão pela maneira como fui tratado e quero deixar tudo aqui na melhor maneira possível, minimizando as perturbações ao trabalho da entidade. Estou empenhado em questões administrativas, como orçamento do próximo ano fiscal, mas também no processo de busca de um novo diretor.

As candidaturas são abertas a todos os interessados e, ao contrário da OIC, não é necessário apoio governamental. Deverá haver um diretor executivo interino a partir do fim de abril até a posse do novo diretor, que deve ser em agosto. Começo na OIC em 1º de maio.

Broadcast – Quem o convidou para disputar o cargo?

Sette – Várias pessoas. Tanto do setor privado quanto do setor público no Brasil, mas não tenho autorização para divulgar nomes. Minha nomeação recebeu uma carta de apoio de todas as entidades do setor privado brasileiro e também contou com apoio dos ministérios da Agricultura e do Itamaraty.

Broadcast – Os países-membros querem uma OIC mais proativa, mas como isso se traduz na prática no caso da instituição?

Sette – Uma das minhas principais missões nos próximos meses é fazer ampla consulta a todos os membros para ver o que eles desejam da entidade. Falar é fácil, como concretizar isso é bastante diferente. Não quero impor minhas ideias de cima para baixo, mas fazer amplo processo de consultas para ver quais as preocupações dos países-membros. E fazer um plano de ação estratégica de longo prazo. Eu quero dar notícias aos membros na próxima reunião do conselho, marcada para setembro, na Costa do Marfim. Não prometo que já tenha um plano de ação final nesse momento, mas, certamente, um esboço.

Broadcast – O aumento e a diversificação de funding certamente estão entre os principais temas para os membros da OIC, não?

Sette – Na minha apresentação para concorrer à vaga citei dois exemplos de como isso poderia se dar. Uma, que já vem sendo trabalhada, é o fundo africano de desenvolvimento do café. O green climate funding é outra saída, mas esta é questão complexa, não existem soluções fáceis para isso.

Broadcast – Os cafeicultores são produtores mais conservadores. Como transformá-los em aliados na questão da economia verde, que o senhor citou?

Sette – Não concordo que os cafeicultores sejam conservadores. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é pioneira no Brasil em inovações tecnológicas para o café. O País é um dos mais adiantados em pesquisa e desenvolveu modelo de produção de café no cerrado, por exemplo.

Já a sustentabilidade é um tema ainda complexo que estamos lutando para absorver. Há certo desequilíbrio na maneira como isso é tratado, já que ela possui três pilares: econômico, social e ambiental. Muitas vezes, a ênfase é mais na vertente social ou na ambiental do que na econômica, e precisa haver um equilíbrio. Se não for sustentável economicamente, os dois outros pilares caem por terra. Temos que pensar sobre isso. Não existem soluções feitas. Isso vale para a cafeicultura e para a OIC.

Broadcast – O fato de haver pela primeira vez um concorrente de país consumidor para a vaga que o senhor acabou conquistando, a Suíça, que lutou até o fim pelo cargo, mostra que os importadores estão querendo maior participação na OIC, o senhor não avalia assim?

Sette – Essa coisa a pensar é divisão entre consumidor e produtor… Hoje em dia o quadro é menos claro do que antigamente. O Brasil é um produtor e também o segundo maior consumidor. Colocar rótulos artificialmente, hoje em dia, está ficando mais complicado. Temos que pensar sobre isso, sobre como ajustar a integração, essas novas tendências. O Brasil não é único exemplo, mas também a Índia e as Filipinas. Os rótulos são fluidos, menos demarcados.

Broadcast- Mas há uma animosidade em relação ao Brasil, que praticamente sempre esteve à frente da OIC desde a sua criação…

Sette – Essa pergunta deve ser colocada aos brasileiros. No momento em que assumo o cargo, não sou mais candidato do Brasil, mas um servidor público internacional com o objetivo de servir a todos os países-membros. Esta é uma questão muito mais política.

Broadcast – E em relação ao mercado? O que a OIC pode fazer sobre uma mudança de nível de preços?

Sette – A OIC não deve ter um papel regulador, de interferir nos mercados. Vivi na época em que a OIC regulava o mercado de café inteiro. Isso era fruto de uma conjuntura histórica que já não existe mais. Hoje não existe apetite, estrutura ideológica ou condições objetivas para que a entidade volte a ter esse papel que chegou a ter. Este não é o papel da OIC.

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