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Quarta onda do café: especialistas explicam se estamos surfando nela
por Marina Mori/Gazeta do Povo:
Grandes nomes do setor, entre eles a americana responsável por popularizar o termo, contam como percebem as mudanças no consumo dos cafés especiais
Os rumores sobre uma nova onda do café têm se espalhado com a mesma intensidade do aroma que desperta quando a água quente toca o pó. Ao longo dos últimos anos, muito se falou da terceira onda: métodos de extração diferentes, cafés de 90 pontos, baristas e cafeterias “Instagramáveis”. Há uma fase depois dessa?
“Enquanto existe um consenso sobre o que foram as três ondas, não acontece o mesmo sobre o que seria a quarta”, afirma Hanna Neuschwander, diretora de comunicações do World Coffee Research Institute, uma entidade sem fins lucrativos que tem como objetivo produzir pesquisas científicas sobre o fruto.
Patricia Rothgeb, especialista em cafés há mais de três décadas e responsável por cunhar o termo “ondas do café” no início de 2000, acredita que nenhum momento foi dominado por uma só. Conhecida como Trish Rothgeb, a norte-americana já fez parte do grupo de diretores do campeonato mundial de baristas, o World Barista Championship, e é sócia-fundadora do Wrecking Ball Coffee Roasters, café e torrefação com base em São Francisco, Califórnia. Entenda cada uma das ondas mais abaixo.
Em entrevista por e-mail ao Bom Gourmet, Trish explica a importância de reconhecer que os impactos das três ondas continuam banhando um mesmo mar. “A terceira onda não passou por cima de nada do que aconteceu antes dela. Poucas pessoas são leais somente a ela”, afirma.
O dia a dia da maior parte da população, segundo a especialista, é bem distante das jarras de vidro delicadas, coadores importados e grãos moídos na hora. “Os consumidores interagem com café de todas as formas. Em um mesmo dia, podemos beber café de mercado em um encontro, café ruim no posto de gasolina e, à noite, encontrar um amigo para uma experiência cara em uma cafeteria chique. Todos os setores do café estão crescendo”, aponta.
Segundo relatório publicado pela Organização Internacional do Café, em dezembro de 2018, o consumo mundial da bebida aumentará 2,1% até o fim deste ano em comparação a 2016 e 2017. Das 165,19 milhões de sacas previstas para chegarem às xícaras de todos os continentes ao longo de 2019, a maior parte (cerca de 104 milhões) será da espécie arábica, a mais consumida entre os apreciadores de cafés especiais.
Isso indica que estamos surfando na quarta onda do café?
Muitos dizem que sim, muitos dizem que ainda não. Uma das imagens representativas da nova onda seria a adoção do hábito artesanal de torrar o próprio café em casa. Mas quem entende do assunto franze o cenho ao imaginar uma sociedade com cada vez mais pressa dedicar tanta atenção à torrefação, prática que requer muita técnica e anos de estudo.
“Não conheço ninguém que realmente faça isso. É um nicho muito específico e com certeza não é a quarta onda do café. Estamos falando de uma onda. Tem que arrastar todo mundo“, afirma Hugo Rocco, que conquistou medalha de bronze no campeonato mundial de Aeropress 2016 e é proprietário do Moka Clube, torrefação de Curitiba e clube de assinatura de cafés especiais.
Por outro lado, a premiada Georgia Franco de Souza, mestre de torra e proprietária do Lucca Cafés Especiais (umas pioneiras em disseminar a terceira onda do café no Brasil), vislumbra a crista da nova onda da varanda de seu negócio. Para ela, o momento é marcado por uma proximidade ainda maior do que a vivida nos últimos anos entre produtores e baristas.
Se, durante a terceira onda, era missão do fazendeiro oferecer a safra perfeita às cafeterias, na quarta o produto é cultivado sob encomenda. Tal qual um cliente confia ao alfaiate a confecção de um costume impecável, o barista solicita ao produtor a receita da colheita de seus sonhos.
“Nós influenciamos os processos para termos cafés muito personalizados”, diz a curitibana. O Forquilha do Rio, um dos mais premiados do Brasil, faz parte desta seleta coleção. Para garantir a exclusividade dos grãos de colheita tardia (mais complexos e interessantes, segundo a especialista), a empresária adquiriu recentemente um lote da fazenda capixaba que dá nome ao rótulo.
Longe da máquina de torra e do balcão de cupping na capital paranaense, o pedaço de terra na Serra do Caparaó se tornou seu segundo laboratório.
A premiada mestre de torras Georgia Franco de Souza na Fazenda Forquilha do Rio, na Serra do Caparaó. Foto: divulgação.
Bons cafés para todos
Mesmo sem definição de quando começará (ou se já começou), Hugo Rocco acredita que o sinônimo da quarta onda do café seja a democracia da bebida de qualidade.“Talvez a única coisa que falta é algum ‘supernome’ do café dizer que esta é a quarta onda. Não sei. Ninguém sabe. Mas espero que seja quando pessoas comuns – o meu, o seu pai – começarem a tomar cafés bons todos os dias. É quando a gente vai ver uma democratização do café especial”.
Por ora, Trish Rothgeb, mãe do termo que provocou discussão mundial há 17 anos, prefere não agitar as marolas do assunto com afirmações tão categóricas. Mas tem um bom presságio sobre o que virá e sua suspeita é semelhante à de Rocco. “A nova onda representará o momento em que todos se relacionarão com café. Ela será muito maior do que qualquer coisa que ouvi até agora. Não a vejo, ainda, e acho que vamos explorar a terceira por um bom tempo”.
Por dentro das outras ondas
A primeira onda do café simbolizou o contato inicial da sociedade com a bebida. O movimento começou nos anos 1800 e, logo na primeira metade do século 20, era raro ver uma casa não abastecida com uma lata de grãos moídos ou com embalagens de café instantâneo.
Nos anos 60 e 70, o café deixou a despensa da cozinha para se tornar protagonista em cafeterias de todo o mundo. A norte-americana Starbucks, inaugurada em 1971, foi a principal responsável pelo novo movimento da bebida – hoje, é a maior rede de cafés do planeta. Além de oferecer formas inéditas de preparo, despertou atenção para a origem dos grãos especiais. Era o início da segunda onda.
A terceira começou no fim da década de 90 e segue até hoje, representada pelo interesse incessante sobre a origem do fruto. “Antigamente, era só falar que vinha de Minas. Hoje, a gente quer saber mais. Onde em Minas ele é cultivado? Em qual fazenda? Em qual lote? A informação é cada vez mais precisa, como no caso dos vinhos”, explica Georgia Franco de Souza. A empresa foi uma das cafeterias pioneiras em disseminar a terceira onda do café no Brasil.
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